A inteligência artificial (IA) já não é apenas promessa futurista. Em 2024, tornou-se motor de produtividade, alvo de disputas geopolíticas e preocupação para governos, empresas e trabalhadores. Estimativas da PwC indicam que a IA pode adicionar até US$ 15,7 trilhões ao PIB global até 2030, o que representaria cerca de 14% de incremento no PIB mundial.

Mas, para o economista e professor Fabio Luis Pereira de Azevedo, esses números, embora impressionantes, escondem uma pergunta central: quem colherá esses frutos?

“O Brasil precisa decidir se será protagonista ou apenas plateia na revolução da inteligência artificial. Os ganhos serão enormes, mas concentrados em quem tiver infraestrutura, talento e capacidade regulatória. Se não investirmos agora, ficaremos dependentes da tecnologia dos outros”, afirma.

Produtividade e desigualdade

Um estudo da PwC de 2024 mostrou que setores mais intensivos em IA (como tecnologia e finanças) cresceram 4,3% ao ano em produtividade entre 2018 e 2022, contra apenas 0,9% em setores menos expostos, como manufatura e transporte.

Essa diferença já se traduz em salários. Vagas que exigem habilidades em IA pagam, em média, 25% a mais nos EUA e 14% a mais no Reino Unido.

“Isso significa que a IA não só aumenta a produtividade, mas também pode aprofundar desigualdades. Quem tem acesso ao conhecimento necessário avança, enquanto os outros ficam para trás. No Brasil, esse risco é ainda maior, dada a desigualdade estrutural que já enfrentamos”, avalia Azevedo.

O impacto sobre o trabalho

Um relatório do Goldman Sachs analisou mais de 900 ocupações e concluiu que cerca de dois terços dos empregos nos EUA estão expostos à IA em algum grau. Isso não significa extinção, mas a possibilidade de que 25% a 50% das tarefas de cada cargo possam ser automatizadas.

“É importante diferenciar ocupação de tarefa”, explica Azevedo. “A maioria dos empregos não desaparecerá, mas mudará radicalmente. Tarefas rotineiras de análise, redação e suporte administrativo já estão sendo substituídas por IA generativa. O trabalhador brasileiro precisará se requalificar rapidamente para não perder espaço.”

Brasil: potencial e riscos

O país possui vantagens competitivas: uma juventude conectada, universidades com tradição em ciência da computação e um ecossistema de startups em crescimento. Mas os desafios são sérios:

“O Brasil não pode se limitar a importar softwares e ferramentas prontos. Precisamos produzir IA local, adaptada às nossas necessidades, sob risco de dependência tecnológica e perda de soberania”, alerta o professor.

Regulação e diplomacia

Enquanto a União Europeia aprovou em 2024 o AI Act, a primeira legislação abrangente sobre IA, e a China aplica regras rígidas para controlar o setor, o Brasil ainda discute seu marco regulatório.

Fabio defende que o país se envolva em fóruns multilaterais, como o G20, que em 2024 foi presidido pelo Brasil e incluiu o tema da IA na pauta.

“Não podemos nos esconder atrás da desculpa do atraso. O Brasil tem legitimidade para falar em regulação ética e inclusiva, conectando Norte e Sul global. Esse pode ser o nosso diferencial diplomático”, afirma.

O que fazer agora

Azevedo aponta cinco passos urgentes para o Brasil:

  1. Educação digital: inserir programação, ciência de dados e pensamento crítico desde o ensino médio.
  2. Infraestrutura digital: garantir conectividade de alta velocidade e energia limpa para sustentar data centers.
  3. Inovação local: apoiar startups e universidades para desenvolver IA brasileira.
  4. Proteção ao trabalhador: criar programas de requalificação e renda para transições tecnológicas.
  5. Participação internacional: engajar-se em fóruns para influenciar as regras globais.

Conclusão

A inteligência artificial é, segundo Azevedo, a “eletricidade do século XXI”: invisível, mas capaz de transformar economias inteiras.

“Ela pode iluminar o futuro ou reforçar exclusões históricas. O Brasil tem a chance de ser protagonista dessa história — mas o tempo é curto. A escolha é agora.”